O impacto dos padrões de comportamento e beleza estampados pela mídia na construção da subjetividade de crianças e adolescentes mobiliza saberes
Por Carolina Salles
Finalmente a mulher vai poder ir à praia com dignidade”. A frase proferida recentemente por um médico ao fazer propaganda de procedimentos utilizados no combate à celulite, em um canal de televisão, é o ponto de partida escolhido pela psicóloga Jane Felipe de Souza para pontuar o quanto o sexo feminino tem sido capturado por discursos persuasivos, vindos das mais diferentes áreas do conhecimento e ecoados pela mídia. “Mulheres e meninas aprendem hoje que o poder reside na sua capacidade de sedução. E para seduzir precisam ser belas. Se você não se rende a esse padrão, é vista como uma pessoa desleixada, que não se ama e não tem disciplina para seguir os ditames de uma dieta rigorosa, por exemplo. Persegue-se, assim, um modelo de beleza extremamente idealizado, que na realidade não existe”, explica.
Mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a coordenadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero, vinculado à mesma Instituição aponta que, na contemporaneidade, as barreiras entre a infância, a juventude e a idade adulta estão sendo impregnadas, existindo um endeusamento e uma supervalorização da juventude como valor ideal. “As crianças não conseguem mais ser crianças, os idosos não se reconhecem em novo e natural processo, buscando e se aliando à imensa parcela social que idealiza permanecer num estágio de eterna juventude. Neste cenário, com o surgimento de novas tecnologias, advindas da indústria dos cosméticos e dos procedimentos e técnicas de rejuvenescimento, somadas a certa democracia de estilos, presente a partir da década de 70, tem sido possível retardar ou mesmo disfarçar as marcas do tempo na nossa aparência. Em relação à construção da feminilidade, podemos notar o quanto hoje ela está pautada pela erotização, movimento que tem atingido também as meninas”, observa.
A docente ressalta a interessante contradição que se estabelece em nossa sociedade já que, ao mesmo tempo em que são criadas leis para proteger a infância e adolescência contra a exploração e o abuso sexual, propaga-se, no cenário brasileiro, uma espécie de “pedofilia consentida”, amplamente aceita e difundida principalmente pelos veículos de comunicação de massa, posicionando os corpos infantis como objetos de desejo e de consumo. “Tenho chamado de ‘pedofilização’ o processo pelo qual a sociedade, em especial a brasileira, posiciona os corpos infantis femininos como corpos erotizados, desejáveis, para o deleite masculino. Tal fenômeno pode ser percebido nos mais variados artefatos culturais, como na publicidade, na moda, nas músicas, na literatura e nos filmes”, complementa.
Segundo Jane, numa sociedade ávida por consumo, em que o sexo alcançou status de mercadoria, ‘novas’ práticas são vivenciadas e até mesmo legitimadas socialmente, em nome da experimentação do desejo e do prazer. “Com o aprimoramento de tecnologias na área da comunicação, como a Internet e os canais pagos, é possível obter um cardápio variado de opções sexuais. E um desses cardápios oferece justamente a possibilidade de usar o corpo infantil erotizado como objeto do prazer adulto”, enfatiza.
Para a psicóloga é fundamental a discussão sobre a centralidade que o sexo e a sexualidade vêm ganhando na nossa cultura. “Há certo endeusamento da sexualidade como se o seu pleno exercício fosse garantir a felicidade, a completude dos sujeitos. É preciso, portanto, colocar sempre em suspeita essas noções de plenitude, bem como perceber que a sexualidade é uma construção social, embora faça uso de um corpo biológico para a experimentação do desejo. Não se trata aqui de responsabilizar apenas a mídia, mas discutir amplamente o que compete a cada um fazer. Que infância e juventude queremos? Que tipo de educação nos compete proporcionar enquanto família, escola, poder público, mídia?”, questiona Jane.
Veja Reportagem na íntegra: Ciência & Vida
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